segunda-feira, 28 de junho de 2010

EU PENSO EM DEUS

Quando eu lhe convido para o chá-das-cinco,
Afoita por lhe mostrar a minha agenda tão escrita,
E você só abre a boca, ou para morder um biscoito
Ou deixar escorrer filosofia de vida escondida...
Eu penso em Deus.

Quando sinto tanta felicidade a ponto de qualquer um ver
Minha boca tão preenchida e
A última bochecha, lá dentro, 
Toda aparecida...
Eu penso em Deus.

Quando sinto desconsolo
E percebo as tentativas da minh`alma
De sair pelos poros
por total falta de conforto,
Penso em Deus.

Quando vejo meu vestido branco
Bordado de lantejoulas...
Dobrado em cima de um mundo manso
À espera de mim pra festa...
Penso em Deus.

Quando abraço apertado meu amigo imaginário
E penso numa valsa 
E lembro que o mundo pode não ser tão ordinário
Eu penso em Deus.

Quando não me vejo em seu floreio
Em antigos devaneios
Mas, me reviro e me leio
Percebo que vários são os meios...
Eu penso em Deus.

Quando eu me deito, 
Descanso os olhos,
Apesar de toda a forma, 
De todo os modos...
Penso em Deus.

Por Suzana Guimarães

domingo, 27 de junho de 2010

ESTÃO

No ar, o falcão.
Na terra, meu tesão.
Na água, abnegação.
No fogo, consumação!

Eu, então!

Suzana Costa Guimarães                                  

quinta-feira, 24 de junho de 2010

AUSÊNCIA MINHA

Que eu ausente
ou eu ausento
Não ausentes tu!
           
Suzana C. Guimarães


Nota: mesma publicação, na mesma data, em Contos de Lily.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

CARTAS

                        Suzana C. Guimarães


Quando eu morrer,
Não me enviem
Cravos, flores
Rosas brancas.
Quando eu morrer,
Me enviem cartas.
Quero cartas
Em papéis de seda,
Papel rascunho,
Muitas folhas
Ou uma única.
Mas, prefiro as longas...
Me enviem cartas
De amor
Desabafo...
Irrefreadas candongas!
Que falem da última fornada de bolo
Sobre o filho que nasceu
O pai que morreu.
Me conte sobre as últimas músicas
Últimos livros, últimos poemas que sorveu
Me descreva a última viagem ou a primeira
Pois eu amo cartas.
Enviá-las ou recebê-las...
E tantas foram as cartas
Que li e reli,
Minhas ou alheias...
Rasgos de cartas,
Cartas quase que incendiadas
Cartas mofadas, esquecidas,
Renascidas em minhas leituras
Pelo simples amor
Que eu sempre dediquei a elas...
Sem maldade, sem culpa que me acuse.
O primeiro beijo,
Aquela noite inesquecível
Aquela madrugada insuportável.
Ou não conte nada,
Escreva um infinito de pontinhos
Entre palavras desconexas.
Me conte daquele abraço que pediu e
Do beijo que aproveitou para roubar!
Do sono que perdeu.
Me fale dos Réveillons em que preferiu dormir
Do Natal que não viu passar...
Choramingue o amor não correspondido
Que, para não se esquecer de quem já lhe esqueceu
Diz que comprou aquele disco
Que toca o dia todo feito vício.
Me escreva a mais simples verdade
Use melodia...
Ou as maiores mentiras.
Mas, cartas.
Não me envie rosas
Principalmente as brancas
Não as quero mais.
Morta, largo mão de tolas queixas,
Dos sonhos escorridos pelos vácuos
Morta, apenas cartas...
Iniciem com "Querida",
Terminem com sua ida.
Iniciem com meu nome
Ou aquele que você sonhou me chamar
Ou aquele que você me chamou em sonhos...
Morta,
Estarei sem mãos,
Rosas, não as poderei pegar.
Morta,
Abrirei os olhos tão eternamente fechados
Para minhas cartas alcançar.

terça-feira, 22 de junho de 2010

SE EU FOSSE...

                                  Suzana C. Guimarães


Se eu fosse eletrodoméstico,
Eu seria liquidificador.
Se eu fosse panela,
Seria panela de pressão.
Se eu fosse talher,
Eu seria garfo.
Se eu fosse copo,
Seria taça de licor.
Se eu fosse pano,
Seria seda pintada à mão.
Se eu fosse objeto cortante,
Seria gilete.
Se eu fosse eletrônico,
Eu seria radinho de pilha.
Se eu fosse um lápis,
Seria grafite preto.
Se eu fosse uma cor,
Eu seria negra.
Se eu fosse livro,
Eu seria de três volumes.
Se eu fosse uma borracha,
Eu seria miolo de pão.
Se eu fosse uma caneta,
Seria Bic ponta grossa
Azul!
Se eu fosse papel,
Eu seria muitas cartas.
Se eu fosse instrumento musical,
Seria uma harpa.
Se eu fosse pontuação,
Seria aspas.


Participação especial: LR & R

segunda-feira, 21 de junho de 2010

XIX - Agosto de 2004

    

     Em 1991, três anos após a nossa formatura, um colega de musculação, ex-usuário de drogas, disse-me maravilhas do médico psiquiatra dele. Ele tratava com homeopatia, e, como eu havia, anos atrás, me curado de amigdalite crônica com remédios homeopatas, acreditei que teria a solução para o meu "problema".
     Problema sem nome, que eu não sabia nem como explicar, e também não conseguia, por vergonha. O psiquiatra, que ele indicou, me viu pouco. Dr. A. conversava comigo de forma lenta. Perguntava muito pouco e eu não conseguia enxergá-lo bem, pois, ele ficava de costas para uma enorme janela aberta, de onde vinha toda a claridade dos céus de Belo Horizonte.
     Aquela claridade incomodava-me e eu nunca reclamava. O que importava para mim era escolher as palavras certas a fim de expor meu problema. Palavras certas? Eu as perdia ou as ocultava. Confusão mental e muita luz na cara! Nada que me facilitasse.
     Lembro-me ter dito ser muito ansiosa, mas não falei da tortura do confronto, dos tremores, do medo. Ele receitou Bryophyllum calycinum D2 (argento cultum) e uns glóbulos brancos para o momento mais intenso de ansiedade. Eu tomava a medicação e aquilo não fazia nem cócegas em mim. Sei que o remédio é muito bom. É um ansiolítico. Sei de pessoas que fazem uso constante dele e se sentem bem, mais calmas, mais ponderadas. Mas para mim aquilo fazia o efeito de água com açúcar. Dr. A., que me lembrava um padre, com suas perguntas leves, agia como se eu tivesse sofrido um ataque histérico minutos antes e estava a enxugar a baba, após eu ser controlada por ele. Ele falava procurando as palavras, medindo-as, pensando nelas. Hoje, penso que nem ele tinha certeza do que dizia. Eu não me abria, mas ele também não ajudava. Não contei os fatos com a intensidade com que ocorriam, não pus força, certeza na minha fala. Eu parecia mais uma tonta disposta a pagar consultas particulares a um médico um tanto quanto distante, evasivo, e esse, parecia me ver como alguém que inventava problemas.
     Naquela época, R. e eu estávamos separados. Eu me sentia infeliz e não queria dividir nada com ele. Terminei o namoro no final de 1990 e tentava encontrar alguém interessante. Conheci o tal colega numa academia de ginástica. Ele me dizia estar se curando, falava de progressos, por isso, eu procurei Dr. A.. Um dia, porém, me enchi daquilo, do médico e do meu colega. Eu nunca me encontrava com ele, com o musculoso. As minhas consultas eram marcadas sempre no mesmo dia e em horário próximo ao dele, mas ele tinha o dom de, no dia, cair da escada, arrancar dente e dar hemorragia ou perder a hora. A gente nunca se via, para depois das consultas, eu planejava sempre, ir ao cinema, tomar uns chopes. Foi pura sorte minha, mais tarde descobri que ele era homossexual.
     Em outubro de 1995, tirei um jornal de 1992 da gaveta. Estava amarelado pelo tempo. Eu havia lido o livro do Gugu Keller, Síndrome do Pânico. Não me lembro bem onde li comentários a respeito do livro, mas fui ávida atrás de um exemplar para mim. Nesse dia, eu desconfiei que talvez o que eu tivesse fosse doença também; quem sabe, prima distante? Só sei que fiquei empolgada, pois, pela primeira vez na minha vida estava lendo a história de alguém que viveu o pavor do medo, que evitava situações, que procurava respostas. Encontrei um par! Um igual a mim, ou pelo menos, bem semelhante. Alguém que descrevia em minúcias e com total sinceridade - de cara limpa - os horrores de ter medo, pavor de coisas "irreais". Ele foi a mão que me empurrou para o consultório do Dr. J.. Li o livro de uma vez só, numa sentada só. Abri minhas gavetas e procurei o jornal velho, guardado sem muita finalidade. Vi a foto do médico e o esclarecimento dele a cerca de várias doenças da ansiedade e também da depressão. Não havia nada sobre medo de escrever ou assinar em público, mas eu desconfiei que havia chegado a hora.
     Fui então, atrás das minhas próprias verdades. Conheci um verdadeiro psiquiatra. O outro, quis ser padre e foi ser médico. Dr.J. falou e me deixou falar. Caminhamos juntos ao encontro do diagnóstico. Eu o ajudei e ele me ajudou. Havia sintonia em nossa conversa. Ele fechou a questão na primeira consulta, naquele dia de sol. Senti o vento da esperança. Eu não era mais só. Aquele senhor de idade, sentado em seu sofá de couro, à minha frente, passou toda a confiança que eu precisava, me mostrou que eu era doente. Apenas isso. E não mais uma mocinha nervosa, filhinha de papai. Eu acreditei nele, porque a verdade e a sabedoria brotavam dele, como água que brota da fonte. Só que, depois do primeiro ano de tratamento, pensei que, apesar de ter acertado em cheio comigo, Dr.J. não servia para mim, que ele era muito chato, muito bravo e muito sistemático. Bebê ainda, achava ser eu a super-mulher adulta, aquela que fazia e acontecia e que outros psiquiatras menos chatos fariam o mesmo que ele. Fui embora sem dar satisfação.
     Consultei-me uma única vez com um psiquiatra do meu convênio e ele, a cada dez minutos, levantava-se da cadeira, ia até à porta do consultório, abri-a, dava uma olhada rápida, voltava e dizia: “Pode continuar”. Terminou a consulta perguntando qual era o remédio que eu tomava, e, se eu queria receitas. Ao sair, vi que a sala de espera estava lotada. Nunca mais voltei.
     Quando a medicação acabou fui a um outro psiquiatra, indicado pelo meu dentista, que era também meu amigo. Aleguei a ele, ao dentista, uma constante ansiedade que atrapalhava a minha vida. Até então, eu não assumia nem a doença e nem os remédios. O psiquiatra interrompia minha fala para, às 7 da manhã, atender a esposa aflita ao telefone, porque a babá do terceiro filho ainda não havia chegado. Esse me disse que eu gostava de ser doente. Que eu criara a doença para poder usufruir o dinheiro do meu pai de forma tranquila. Bom, eu não gostei do que ouvi e então respondi que eu não fazia diferente dele. Que meu pai podia me ajudar e eu aceitava tal qual ele, que teve a Pós-Graduação em Medicina, nos Estados Unidos, toda paga pelo pai, que também podia ajudar a prole. Informação preciosa que eu tinha, heim? O doutor engoliu sequinho.
     Voltei correndo para Dr.J., para o consultório dele, onde eu sempre pude sentir paz e segurança. Onde cada peça da decoração tem uma história e está sempre lá, no mesmo lugar. Voltei para onde se pode ouvir o silêncio, mesmo sendo numa rua movimentada. Voltei para a “sala do choro”, onde um sofá de couro está estrategicamente posicionado em direção ao sofá dele. Onde há uma cortina que deixa passar a luminosidade suficiente. Depois de tudo conversado, caminha-se para o escritório. Atravessa-se um pequeno corredor com seu relógio cuco na parede, e lá, nesta outra sala, eu posso me deliciar olhando livros arrumados em estantes, pequenos objetos presenteados por pacientes, fotografias emolduradas nas paredes, a cortina semiaberta, os estofados de tecido xadrez e a mesa toda arrumada, com um abajur sempre aceso, onde ele prescreve a medicação. Essa é a sala da conversa mais solta, relaxada, onde fala-se de tudo, enquanto se espera a secretária que buscará as devidas anotações e depois voltará com as receitas digitadas. E eu rezo para que ela receba mil telefonemas, para que se atrase, assim podendo aumentar meu tempo naquele lugar que me recebe como a criatura mais importante do mundo. Um ovo. Um ninho.
     Voltei correndo, mas de rabo baixo, morta de vergonha. A chata, era eu. A preciosista, era eu. Fui recebida da mesma forma solene, porém atenciosa, afetuosa, como se eu nunca tivesse partido. Lá fiquei por muitos anos, comparecendo, de três em três meses para a consulta de controle. E, sempre que necessário, volto. Aquele mal, eu curei, mas uma vez descido a ladeira, pode-se voltar a descer.
     Hoje, está tudo sob controle, e zelarei por isso. Não mais hesito em questionar, esmiuçar, escarafunchar os sintomas químicos, físicos e psíquicos do meu corpo. Aprendi que posso controlá-lo, mesmo que com ajuda de medicamentos, mas, os remédios sozinhos não podem tudo. Não podem me fazer sair de casa, encarar o mundo com todos os seus medos e pavores. Eu tenho que dar o primeiro passo.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

UM POEMA: BLUE, by LRGM

    
     Fim do ano letivo!
     Há um ano, neste mesmo 17 de junho, decidi ir ao Brasil.
    Hoje, não decido, pois, fico. E o café aguado, o queijo canastra "verde", e as xícaras e mais xícaras ficam na saudade.
     Hoje, LR chora de saudades daqui - do professor que ele tanto gostou, dos colegas que para ele não são estrangeiros, e nem ele... acho que até de si mesmo, porque acho que ele também sente saudades de lá.
    Saudades recentes, saudades antigas...
   O café vai esperar sem esfriar... os passeios no Mercado Central, as avenidas estreitas, meu pai sentado vendo televisão, as ruas apinhadas de gente, carros que não param para você passar...
     A minha mãe vai esperar. Mães sempre esperam. Mas ela não vai cantar. E nem tocar.
     Eu vou esperar toda aquela água secar. Vou esperar o tempo parar pra todo mundo poder pensar.
     Fim do ano letivo... e eu dedico este post a LR. Cidadão do mundo. Menino valente. Inglês fluente. Parabéns, meu filho, você venceu. Os louros são seus!
     Vou postar aqui, a poesia do meu menino poeta:

                                                    BLUE

  Blue is cold
        like ice
        in your refrigerator

Blue is warm
      like a jacket
      warming you up

Blue is flying
      like a parrot
      in the sky

Blue is floating
      like the sky
      above my house
                                     by LRGM                                                                       

terça-feira, 15 de junho de 2010

QUARTO TERREMOTO NO QUARTO

                                               Suzana C. Guimarães


Ando contando...
Já contei: um assalto, uma quase morte e quatro terremotos!
Nos três, mesma incredulidade.
Nos três, um assalto.
Nos três, a solidão.
Nos três, a sua mente tenta se agarrar ao fato, mas escorrega todo o tempo pra esquerda. Para o passado.
Nos três, seca agonia.
Nos três, a mudez, em meio à vozes.
Nos três, incerteza.
Nos três, absoluta ignorância.
Nos três, aquilo que o bicho faz,
Para, quieta e aguça os sentidos.
Nos três, um labirinto desfocado em três.
Nos três, nada
Porque você não acredita.
No primeiro das minhas contas, eu estava na rua; no segundo, em casa, na rua, em casa (como é difícil acreditar!).
No terceiro das minhas contas que já é o quarto, eu estava no quarto.
Na rua, em casa, no quarto.
Não importa.
Amola,
Mas não é esmola.
Embola
E a vida rola.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

XVIII - Novembro de 2005

"A vida só é possível reinventada."

(Cecília Meireles)

sábado, 12 de junho de 2010

XVII - Novembro de 2005

“Fico pensando em você. Será que você perdeu mesmo os melhores anos da sua vida, ou melhor, os anos em que a gente faz as maiores escolhas que vão se refletir mais tarde em nossas vidas? Você é inteligente e perspicaz, pega as coisas no ar, adivinha o pensamento das pessoas. E diz na lata como são as coisas. E acerta. Você era uma das melhores, principalmente em Direito Penal. O que você poderia ter feito se não fosse esta doença?"


     Eu lhe respondi? Acho que não. Relendo nossa correspondência, encontrei este e-mail. Deixei de responder a certas perguntas porque não sabia o tanto que você pretendia me entender. Quando você abre uma janela, fecha uma porta. Quando abre uma porta, fecha a casa toda.
     Você já ouviu falar em ferida pessoal, aquela que ninguém vê, mas que sangra por dentro? Eu já me fiz a sua pergunta milhares de vezes. Sabe a Boceta de Pandora? A doença foi a própria. Foi a origem de todos os males. E, acrescento, todas as bondades também, porque eu realmente não sei o que foi bom, o que foi mau, o que poderia ter sido ou não, quem eu poderia ter sido, quem eu poderia ter escolhido para marido ou para amigo, quem eu perdi, quem ganhei, o que paguei, se é que paguei, o que deixei de ganhar, o que ganhei em troca, o que poderia ter sido eu.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

O TEMPO E O NÃO

                                         Suzana C. Guimarães


Ontem fez um mês,
Mas parece três.
E anteontem, eu peguei aquele avião
Mas parece dezesseis
Vezes três.
Ontem, voltei pro mesmo chão,
E doze vezes dois já são.
Acho que perdi a vez.
Acho que naquele trem
Perdi o vagão.
Saí de cena.
Virei gaze
Ou comichão.
Flutuo nos ares
Ou cresço em algum coração.
Tudo é questão
Ou não!

segunda-feira, 7 de junho de 2010

SOM EM LINHA

                                    Suzana C. Guimarães


Na sua mudez,
Ouço alto som.
Na sua mudez,
Compreendo o tom.
Todo o mais que não possa imaginar,
Em seu desequilíbrio equilibrado,
Em sua firmeza de uma única palavra:
Seca, polida, seca

leio frases...

Em suas frases,
Breves e curtas,
Curtas de medo, leio livros...
No seu silêncio,
Ouço te quero.
No te quero
Ouço te amo.
Sabotado,
De um não-amado.
Se você falasse,
Eu não leria.
Se você risse,
Eu não ouviria.
Se você me tocasse,
Eu não saberia.
Mas você não fala, não ri, não toca.
Você se cala.
Quanto mais cala
Mais fala.
Menos embaralha.
Eu queria que você me enviasse um livro
Pra embrulho.
Aí sim,
Eu saberia que você escrevia apenas uma linha.

domingo, 6 de junho de 2010

XVI - Julho de 2004

  
     Por quê?
     Eu queria entender muitas coisas... Entretanto, elas apenas me fogem. A verdade chega a roçar em meu rosto, brevemente, tão brevemente que não consigo fazer registro. Tenho o dom de não fazer registros.         
     Minha memória acumula fatos, cores, roupas, falas, datas, rostos, ocasionalmente nomes, mas não registra e autentica certos instantes rápidos como a luz ou tão quanto. Aqueles momentos que parecem verossímeis, na realidade, o são, mas eu acho que não acredito neles, talvez porque passam rápido demais ou talvez eu não os queira ver. Quanta coisa a gente não quer ver nesta vida? Mais do que possamos concretamente vivenciá-las. É como se tudo estivesse sob uma neblina ou acontecesse rápido, mas em câmera lenta. Difícil entender?
     Certa noite, há muitos anos, eu estava dentro de um táxi, no banco traseiro do carro, parada num semáforo, na Avenida Francisco Sá com Avenida Amazonas, em Belo Horizonte; quando surgiu um carro em alta velocidade na outra pista, vindo da Avenida Amazonas e abalroou o táxi em que eu estava. Era Natal. Havia uma concessionária de carros na esquina à nossa esquerda, de onde vinha o carro. Eu vi o carro voando para cima de nós; vi um pinheiro piscando suas pequenas luzes na tal loja, as piscadas eram lentas, bem lentas; eu me vi sentada no banco do carro. Tudo ficou em câmera lenta, mas com absoluta certeza, foi tudo rápido demais. Pois então, é assim que vivencio certos acontecimentos, mas não registro.   
     Será um bloqueio? Uma defesa? Certamente que, nos casos de risco de morte, toda pessoa liga uma espécie de válvula de escape, só que eu posso ligá-la em outros momentos também. Penso que é porque não ligo, não dou importância à coisa. Ou não?
     Muitos melhores momentos ou, inclusive, os piores que vivi, eu os senti de longe. Como se olhasse através de binóculos. Eu passo por eles. Eles passam por mim. E fica aquela sensação de que não foi bem da forma que deveria ter sido. Parece que olho um querendo ver três. Talvez seja ansiedade. Talvez a tal válvula de escape. Talvez a minha própria personalidade, meio esquiva. As pessoas, muitas vezes, pensam que eu mergulhei de forma profunda. E é essa a imagem que passo. Mas, na realidade, fiquei apenas boiando, como diz R. Pairo na superfície. Olho, mas não vejo. 

quinta-feira, 3 de junho de 2010

O TEMPO

                          
                           Suzana Costa Guimarães

Penso:
Era tão negra assim
A noite?
As sombras tão altas assim
Que eu só as pudesse ver
Ao longe?
Era assim o tempo tão lento
Que eu não pudesse
Vê-lo?
Tê-lo?
Eram maçãs que caíam
Ou eu que perdia o tempo
Da colheita
Ou era que o tempo é que se esvaía?
E eu ia
E vinha pelas antigas trilhas.
Ou era eu que não contava os dias
Não mais em franca zina
Num tempo que rugia,
Em que as sombras eram só minhas?
Penso,
Era então dia,
Eu é que não via.
As sombras,
Curtas...
Iguais ao tempo que zunia.

XVI - SOBRE A RECAÍDA

     
     Iniciei meu tratamento com Dr. J em 13 de outubro de 1995. Em meados de 2004, tive uma recaída que não ultrapassou o ano de 2005.
     Só agora percebo que eu caí de novo - daí o nome "recaída"- e me levantei sem perceber. Foi um vento frio, mau, que bateu em mim, mas que passou. Feito aquelas chuvas que nos pegam às seis horas da tarde, num tempo tão curto, suficiente apenas para nos molhar até chegarmos ao nosso carro ou entrarmos naquele ônibus. E que, depois, passa. Fica parecendo que nem choveu apesar dos cabelos molhados e da roupa fria.
     Vasculhei a minha memória, tentando me lembrar daquele mal em mim, na entrada de 2006. Nada encontrei!
     Os e-mails trocados duraram apenas um certo tempo, mas a história continuou, é claro!
     Vieram as ondas do mar e me levaram, a partir de 2006.
     Em "Antes, uma carta para Dr. J", eu comento sobre a intensidade com que vivi os anos de 2007 e 2008. E, os dois últimos anos, vivendo em um outro país, me empurraram mar a dentro.
     Eu perdi, ao longo dos últimos quatro anos, qualquer tipo de controle formatado. Por isso, só hoje percebo, ao escrever neste Blog, que realmente me joguei no mar em nado livre.
     Houve tratamento, houve luta, entretanto, eu me levantei num estalar de dedos. E, esse bater de dedos foi tão leve, tão rápido, que nem percebi. De um instante a outro, naquele tempo - segundo - que antecede a minha mão direita lavar a esquerda, parei de prestar atenção à doença que me paralisou por mais de décadas.
     A cicatriz ficou, mas eu tenho muitas outras, internas e externas. São detalhes, contudo, pequenos detalhes. Todas elas são linhas feias que contam as minhas vitórias - e toda vitória é linda! - pois, em todas, eu venci a dor, e, em algumas, a morte.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

XV - Novembro de 2004

    
     Você ainda entenderá que as coisas da vida não são bem do jeito que as pessoas dizem que são: basta querer e fazer, e que querer é poder. Pois eu ando agoniada. Meu rosto voltou a queimar de calor e tenho ânsias de me esconder debaixo dos lençóis e sumir para o mundo e as coisas do mundo. Acordo todas as manhãs com os joelhos na boca. Meu estômago dói.
     Dr.J não me enganou. Nunca me disse que eu me curaria para sempre. Por eu ter guardado a doença por treze anos e ela ter começado tão cedo, certamente dificuldades haveria. Eu tinha três chances: cura total (o que seria um pouco improvável), cura parcial (dosagem mínima de remédios) ou nenhuma melhora.
     Agora, hoje, descobri que caí no segundo caso. Sabe o que é isso? Um retrocesso e você não está nem sabendo. No mínimo, me imagina pulando tranquilamente da nuvem rosa para a azul, no meu mundo que para você é todo perfeito. O céu.
     Eu queria que você soubesse que pessoas com problemas de saúde mental muitas vezes não conseguem e não é porque não querem. Simplesmente não conseguem. Podem até conseguir realizar algumas tarefas, mas à custa de muito sacrifício. Eu me sentia torturada, cansada. No final, após cumprir tarefa, estava exausta, pois o esforço havia sido imenso, intenso e, muitas vezes, infrutífero. Esforço que não compensava!      
     Você então se esconde, não se revela de modo algum. É quando surge o processo de evitação. Evita-se para não viver aquilo novamente; para não correr o risco de ser descoberto; para não sentir o sentimento de impotência que sempre assola.
     Como é que alguém pode ter medo de ter medo? Eu tive. Como é que uma pessoa tão normal poderia ter "aquilo"? Só que eu não fui a única. Não fui amaldiçoada ao nascer. A fada má não bateu a varinha em mim e disse "só você passará por este mal e ninguém mais" e baixou a maldição. É comum, acontece por aí o tempo todo, só eu não sabia.
     Os piores sentimentos são aqueles que ninguém pode ver. Os piores males são aqueles que ninguém quer ver.
     Paguei caro pelo meu silêncio, mas eu só tinha dezessete anos quando tudo começou, e não começou de uma vez só. Será que os meus pais iam entender tanta fragilidade? Será que o pessoal da escola ia entender? E os pretendentes namorados que ora apareciam, ora desapareciam? Eu nem sabia lidar com eles, tinha os receios normais de uma menina. Sexo? nem pensar! Minhas colegas, algumas, já faziam sexo, tão tranquilamente, tão simplesmente!... Um dia, uma colega de quinze anos chegou na escola. Estávamos no primeiro ano científico, no Colégio Santo Agostinho. Sentou-se no banco que havia em frente à sala, onde sempre estávamos, esperando o professor chegar, e disse bem alto para todos nós, um grupo de seis ou oito, dentre meninas e meninos, "gente, putei!". E nós, muito sem graça perguntamos "foi bom? gostou?". E ela feliz e satisfeita nos disse: "Não, mas dei e foi bom porque ele queria, disse que agora será outro homem, deixará a barba crescer." E eu pergunto se, naquela época, poderia contar minhas pobres fraquezas... eu que fiquei chocada com o "putei", que até hoje, vinte e tantos anos depois, lembro-me da cena e do sentimento sem palavras que se apoderou de mim e transparecia no rosto dos meninos, aqueles tontos meninos de quinze anos, que com certeza nem na boca haviam beijado. Eu também não havia beijado na boca e a outra havia “putado” e estava enormemente feliz. Naquela época, eu sofria de timidez. Nada demais. Mas a doença já me espiava, ou melhor, surgia lentamente, deslizando pelas minhas veias, passeando pelas vísceras, acomodando-se feito um gato nas minhas engrenagens internas. Silenciosamente.

terça-feira, 1 de junho de 2010

BAÚ INTERNO

                                              Suzana C. Guimarães

     Sempre escrevi, porém, apenas internamente. Foram poucas as vezes em que eu peguei um papel e uma caneta para escrever minhas abstrações ou  meus próprios conceitos.
     Nos tempos do colégio e na universidade, quando as frases vinham prontas, fluindo tão urgente e precisas que pareciam sair pela boca, eu rabiscava nas últimas folhas dos cadernos.
     Dos escritos da época da infância e adolescência, minha mãe guardou o pouco que encontrou, inclusive minhas primeiras receitas culinárias: "uma ovo, dois colheres de açucar...". Eu guardei somente o que considerei bom ou engraçado, feito as receitas. Mas,  foi tudo um quase nada!
     Neste meu processo interno, eu escrevia frases, capítulos, virava páginas, sem pensar sequer em pegar um lápis ou datilografar algo. Sim, fiz curso de datilografia! Quebrei muita unha em máquinas de escrever. Contudo, a datilografia só me serviu para fazer os trabalhos de colégio, da faculdade e os jurídicos.
     Ao escrever sobre a doença, procuro ser clara, mas não tão óbvia a ponto de enjoar. Acho que tudo explícito demais é chato e feio. O já esperado causa tédio e sono.
     Por escrever para mim mesma, sei que muitas vezes não sou clara. Para ser franca, faço todo o possível para ser obscura. A mim, pouco me importa ser entendida. Li, certa vez, uma entrevista com uma escritora (não me lembro quem!) que dizia escrever porque o macaco subia-lhe às costas. E ele ficava lá pendurado enquanto ela não acabava o tema. Acho que é mesmo um macaco ou algo semelhante que também me impulsiona. Aquele falatório na minha cabeça, de mim mesma para comigo mesma, começou a me incomodar. Passei então a digitar tudo o que me vinha. Vêm frases inteiras ou mesmo um período, sem que eu me esforce. Se eu me esforçar, não sai nada, sequer uma carta para a minha mãe.
     Escrevo para me preencher de satisfação ou para ficar livre do tal macaco. Escrevo o que sinto na hora, ou tudo aquilo que senti antes e guardei na minha espetacular memória. Escrevo para ver se me entendo. Talvez, escrevendo, eu chegue ao amadurecimento de uma questão. Talvez, escrevendo, eu faça confissões que jamais faria ou mesmo encontre aceitação para todos os meus por quês.
     Esse processo de escrever externamente começou há pouco tempo. Acho que foi o acúmulo que lotou a tampa do baú e as letras pularam para fora, afoitas por liberdade. Senti que era melhor esvaziá-lo sempre. Com certeza, um espaço limpo abre as portas para tudo de novo que possa vir a chegar. Ando, então, fazendo varredura. Pouco me importa se a faxina vai levantar dissabores, causar susceptibilidades. Eu não escrevo para você e nem para ninguém, repito: escrevo para mim mesma. Se, nas minhas escritas, algumas pessoas encontram arte, beleza, paz, respostas ou um simples prazer de me ler, confesso ficar enormemente envaidecida. Sou leonina com ascendente em Leão, gosto de plateia, gosto de cafunés no meu ego.  O reconhecimento para mim não é apenas pura vaidade, devo também acrescentar, é também recompensa. As palavras, muitas frases, algumas ideias chegam prontas para mim, mas custa tempo escrever, e me dá dor nas costas, nos olhos; me obrigo a vigiar a ortografia, a digitação, para não ofender muito a Língua Portuguesa e os letrados. E, às vezes, me agarro num período e sinto grande dificuldade para conectar as ideias. Sou uma pessoa que pensa rápido, fala rápido e escreve rápido, e, às vezes, as palavras se embolam.
     Não sei quanto tempo ficarei aqui, publicando meus textos. Outra característica acentuada do leonino é odiar rotina. Por isso, inclusive, vou batendo, enquanto escrevo sobre a fobia de desempenho, ou soprando, enquanto publico textos assim, tão leves e claros que parecem receita de bolo. Ou, por último, vou amornando a minha temperatura quando publico algo feito o encontro de amor do deserto com a noite ou digo que um dia fui água que escorreu pela calçada.
     O baú está aberto!

P.S.: Quando escrevo sobre a doença do medo, aí sim, escrevo de todo o meu coração para você que está doente ou para você que conhece alguém em situação semelhante e quer ajudar.