segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

O fracasso me trouxe até onde estou e isso é maravilhoso.


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(arquivo pessoal de Suzana Guimarães)

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Cada um carrega seu segredo jamais revelado.


Eu nunca vivi mais de dez anos na mesma casa. Tenho cinquenta e um anos de idade. Tem gente que mora, no máximo, no segundo endereço, e é mais velha que eu... frequenta a mesma praia, da mesma cidade, a mesma igreja, o clube de sempre. ​Usa o mesmo estilo de roupa, tem os mesmos amigos de sempre... isso é bom, mas, no meu caso, que, desde o nascimento, não paro, é um pouco difícil, claro, eu já tentei, cartas e mais cartas, atualmente, e-mails... mas a falta de contato esfria qualquer amor. 

Não sou volúvel. Estou casada com o mesmo homem há mais de duas décadas. Tive o mesmo cabeleireiro por vinte anos, tenho o mesmo médico angiologista, desde os meus trinta e quatro anos de idade, embora eu more há nove anos fora do Brasil. Eu também não me desagrado das coisas e por isso, mudo. Meu último endereço no Brasil foi o melhor que tive em toda a minha vida. Fui feliz e desinfeliz lá, vivi, eu, que me mudava de dois em dois anos, morei nesse lugar por seis anos. Faz pouco tempo que parei de relembrar, de molhar meus olhos por me lembrar... mesmo assim, quando vou a Belo Horizonte, paro o carro em frente ao prédio e choro.

Tenho bolsa de festa que pertenceu à minha tia-avó em sua juventude. Tenho casacos que comprei na casa dos trinta anos. Quase tudo que ganhei de presente de casamento, eu tenho até hoje.

Mas, em nove anos de Estados Unidos, estou em meu quarto endereço. Eu realmente não paro. Não sei se é sina, se é mania, não sei se são sonhos em demasia... Na mesma cidade, passei, em seis anos, por quatro academias de Jiu Jitsu. O último proprietário e professor disse que a gente só para quando está satisfeito. Pode ser isso. Pode não ser.

Eu as vejo, essas pessoas que se estacionaram faz tempo, eu as vejo como se eu estivesse dentro de uma bolha e elas não. Isso soa estranho. São elas que vivem em bolhas, nos mesmos círculos! Talvez, seja o movimento da bolha que faz a diferença... A minha bolha alaranjada, sim, ela é colorida, ela rola comigo dentro, e, dentro, eu também rolo. Há um brinquedo assim. Você entra em uma bola de plástico, gigante, transparente, e rola em uma lagoa preparada para isso. Penso que a minha bolha não patina em terreno preparado, ele é 'para preparo', "obras à vista", só pode ser.

Cada um carrega seu segredo jamais revelado. Esse é o meu. Desisti das respostas, mais ainda das perguntas.

Entretanto, apesar da existência mutável, eu permaneci quase a mesma, até dois ou três anos atrás.

Hoje, convivo com meu novo 'eu' como se tomasse chá, num fim de tarde, olhando-me, a nova se olhando, entendeu? A nova olhando a nova, a que tomou o lugar da velha que se foi, não existe mais. É um processo fantástico de descoberta. Talvez, agora, a bolha alaranjada esteja em águas seguras e cristalinas. Há um quê de cristalino em toda pessoa nova, não importando a idade.


Por Suzana Guimarães




Crônica originalmente publicada em: clica aqui e no Facebook

terça-feira, 16 de janeiro de 2018


Ela disse que vai ter uma rede (para balançar) quando se aposentar. Eu nem respondi. Fingi que não ouvi. Viver é arte difícil, fazer planos é que é fácil. Detesto lista de planos. Detesto o uso indevido da frase "Eu te amo". Detesto muita coisa, mas eu não vim falar disso. Então, ela disse que terá uma rede na casa dela quando ela se aposentar. 

Eu deveria rir disso. Bom, estou rindo agora. Lembrei-me desse fato porque fui à varanda pendurar a minha rede que acabei de tirar da secadora de roupas. Viver é arte difícil, fazer planos é que é fácil. Morar na praia, ter uma casa de campo, ter piscina no quintal... Eu tenho tudo isso, a rede, a praia, a casa de campo e a piscina no quintal (do condomínio, mas pertence a mim também, claro!), então eu sei do que estou falando. 

Eu só não tenho aposentadoria. Eu nunca pensei nisso, soa ruim, parece aposentar a vida. E eu não tenho planos, nem falo "Eu te amo" por falar. Não se trata também de frase sagrada e imortal; eu já deixei de amar algumas vezes, e de falar.

Quando eu me "aposentar", eu quero o que já tenho, pessoa para eu rir junto, com vontade, incontrolavelmente; para desligar a música ou o jogo somente para me ouvir, por desejar me ouvir mais ainda ou se cansar e dizer que se cansou, que eu sou uma chata, mas que sou bonitinha demais, apesar de chata e brava. Pessoa disponível ao toque, ao abraço, sempre disposta a sentar-se à mesa para me acompanhar na refeição mesmo que não coma nada. Pessoa que parece sempre tempo bom, céu claro, dia azul, descanso, rede, mar, um prado com uma única casa... E nos momentos ruins, quando o dia se fecha de escuro e fúria, que seja silêncio. 

Ela disse que vai ter uma rede quando se aposentar e eu deveria ter dito alguma coisa, mas a vida é uma caixa de remédio personalizada, cuja bula, também personalizada, não pode ser lida por outros olhos. Talvez, por exemplo, o que é rede para mim é aquisição que dá trabalho para ela.


Suzana Guimarães



sexta-feira, 12 de janeiro de 2018



Planejo para desmanchar na próxima hora.
Permito-me
Assim como os céus se permitem
Não se fizeram chuvas, nem sóis, nem nada
E a vida continua
Desenredo-me
Sem remorso, sem dor
Planejo para desmontar-me à frente
Essa condição humana é redenção
Ninguém fará dança por mim
Não estraguei a colheita
Sou apenas gente
E desmonto-me.



Suzana Guimarães